O direito contratual é regido porinúmeros princípios que são a base fundante dos pactos contratuais, e apesar das inovações ocasionadas com o passar do tempo, estas não alteraram as essências dos mesmos. O que houve, na maioria dos casos, foi uma relativização da aplicabilidade dos mencionados princípios.
O princípio da boa-fé, por sua vez, foi destinado a promover a aplicação da honestidade e lealdade nas relações contratuais, mas este princípio, inicialmente, sofreu alteração em virtude da jurisprudência alemã. Havia no Código Civil alemão o § 242 que deveria somente reforçar o direito material, mas aqueles julgados deram novo significado ao aludido parágrafo e este passou a ser fonte de direitos/ obrigações, transformando-se, portanto, em cláusula geral. Esta, por sua vez, permite que o ‘Magistrado selecione fatos ou comportamentos para confrontar com um parâmetro e, após esta análise, busque as consequências jurídicas que não foram determinadas antecipadamente’ ¹.
Desta forma, contata-se que a boa-fé é cláusula geral porque permite ao operador do direito atribuir à norma um significado amplo, e princípio porque serve de critério que tem por finalidade definir a lógica² e o raciocínio que devem ser empregados ao utilizar determinado dispositivo do sistema normativo. Por fim, a boa-fé objetiva apresenta-se como um modelo de comportamento social que deve ser seguido por todo homem reto que age com lealdade³ e honestidade.
Como se vê, a boa-fé objetiva sofreu alterações ao longo da história, mas os alemães, ao inserirem a ideia de lealdade e crença na boa-fé obrigacional, deram uma nova significação à mesma, porque, a partir desta inovação, o comportamento humano fazia parte do direito e, por isso, devem ser cumpridos exatamente “os deveres do contrato”, devendo ser respeitados os direitos do outro (JUDITH, p. 126).
Contudo, não é possível determinar quais serão as hipóteses em que boa-fé objetiva estará caracterizada, porque a sua incidência depende das circunstâncias do caso concreto, e o intérprete não pode analisar o contrato somente com base na vontade das partes, devendo definir qual seria o comportamento do indivíduo, de acordo com boa-fé objetiva⁴, em determinado contrato.
Os deveres anexos ou instrumentais têm a finalidade de permitir que a relação contratual seja cumprida nos limites da boa-fé objetiva e, se houver no desenrolar do cumprimento da obrigação principal assumida situações que deem origem a outros deveres que não estavam expressos, os mesmos terão que ser respeitados em obediência ao mencionado princípio, porque decorrem implicitamente do contrato.
No que diz respeito aos dispositivos legais que possibilitam a aplicação da boa-fé objetiva nas relações pós-contratuais, o art. 422 do Código Civil é o fundamento de tal tese, mesmo não constando expressamente em seu conteúdo, a fase pós-contratual tem sido respeitada, pois, de acordo com os Enunciados⁵ 24 e 25, do Centro de Estudo Jurídico, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, e a omissão legislativa do mencionado artigo não impede a aplicação da boa-fé na fase pós-contratual.
¹MARTINS-COSTA, Judith. A boa-fé no direito privado: sistema e tópica no processo obrigacional. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1999. p. 330. ²MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 8 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1996. p. 545. ⁴ROSENVALD, Nelson. Dignidade humana e boa-fé no código civil. São Paulo: Saraiva, 2005. (Coleção Prof. Agostinho Alvim) p. 91. ⁵“em virtude do princípio da boa-fé, positivada no art. 422 do novo Código Civil, a violação dos deveres anexos constitui espécie de inadimplemento, independente de culpa” (53Jornadas de direito civil I, III e IV. Enunciados aprovados. Disponível em:
cjf.jus.br/portal/publicacao/download.wsp?tmp.arquivo=129.)
A boa-fé pós-contratual só é possível porque a obrigação que decorre de um contrato já findo faz parte dos deveres exigidos pela boa-fé objetiva (lealdade e honestidade), e essa constitui um parâmetro a ser seguido nas várias fases contratuais, pois os deveres instrumentais visam garantir a plena realização da relação obrigacional e incidem nas fases pós-contratuais